domingo, 23 de agosto de 2009

Participação e cidadania - o estado das coisas


Há uma necessidade urgente de rever os mecanismos de participação cidadã. Nesta revisão deverá constar, em primeira instância, a avaliação do seu estado actual e nesse processo incluir um número considerável de factores que, na medida do possível, toquem a diversidade de acções, de opiniões e sentimentos da comunidade em avaliação. Este primeiro passo é um claro investimento e um poderoso instrumento na construção sólida de uma solução futura mais inclusiva e mais plural e, também por isso, mais representativa.
O que está em causa na questão da promoção da cidadania activa é, sobretudo, a salvação de um modelo social de participação colectiva que se oponha ao esmorecimento da protecção de direitos e deveres de convivência, resultantes de um consenso que nos dê conta de um conjunto de pactos sociais que, por sua vez, originarão a matriz cultural das gentes.
O ataque a esta construção de pactos sociais entre os cidadãos agudiza a relação de forças entre os mais e os menos poderosos, sendo que, em termos de resultado final, isolados na sua individualidade, os menos poderosos estarão muito mais expostos a processos de dominação, reduzindo-lhes os direitos e cortando-lhes a possibilidade de expressão que deve decorrer de um Estado livre, democrático e plural.
O isolamento do individuo em estratégias que o singularizem é um perigo para a democracia, na medida em que as desigualdades entre os cidadãos são exploradas de forma a que quem tenha menos veja cada vez mais diminuído o seu grau de influência, estando cada vez mais à mercê das regras de alguns, muito poucos, que dominam os focos de interesse económico, político, social, cultural ou mesmo religioso.
Esta aparente forma de defesa do individualismo como expressão máxima da expressão livre dos cidadãos e da sua capacidade de realização é uma ideia simplista e mais do que favorável à criação de abismos entre pessoas, muito favoráveis à dominação de uns e à exploração de outros.
Um dos desígnios da esquerda democrática é combater, por um lado, um certo colectivismo e estatização dos direitos e deveres dos cidadãos, à semelhança do que assistimos nos antigos regimes comunistas de Leste Europeu, reduzindo a uma só moral e uma só ética a intervenção cívica, mas sobretudo combater um muito mais eficaz, porque disfarçado, regime neo-liberal que a passo e passo pretende reduzir o espaço de convivência e construção social para assim usar dos seus recursos para multiplicar nas elites um poderio cada vez mais monolítico, travestido de pluralidade porque conseguido por via de uma certa normalidade democrática que o legitima.
Avaliar este jogo de forças e localizar os diferentes núcleos de expressão e centros difusores é um passo importante para restituir equilíbrio ao jogo social e à participação plural dos cidadãos numa sociedade a ser construída com as regras e a eficácia que sirva à maioria.
O incentivo à idiotização das sociedades é outro dos pontos a avaliar, uma vez que o estímulo à resolução superficial dos problemas que se nos colocam no dia-a-dia é crescente e tomou já conta dos principais mecanismos de socialização, nomeadamente através dos meios de comunicação de massas. A aparente superficialidade das respostas que se deve ter para com os obstáculos mais correntes é altamente perigosa nos seus efeitos, dada a sua inerente capacidade multiplicadora.
A desvalorização da indiferença dos cidadãos face aos problemas que os tocam é uma das mais eficazes armas ao dispor daqueles que defendem a desigualdade como um princípio natural das sociedades. Essa evidência deve constituir o epicentro da actuação combativa daqueles que se posicionam no espectro político da esquerda democrática e que, ao contrário dos primeiros, defendem uma sociedade com igualdade de oportunidades para todos.